terça-feira, 26 de abril de 2011

Convenções - Luís Fernando Veríssimo

     A classe média é uma terra estranha.

    A Mirtes não se aguentou e contou para a Lurdes:
    - Viram teu marido entrando num motel.
    A Lurdes abriu a boca e arregalou os olhos. Ficou assim, uma estátua do espanto, durante um minuto, um minuto e meio. Depois pediu detalhes. Quando? Onde? Com quem?
    - Ontem. No Discretissimu's.
    - Com quem? Com quem?
    - Isso eu não sei.
    - Mas como? Era alta? Magra? Loira? Puxava de uma perna?
    - Não sei, Lu.
    - O Carlos Alberto me paga. Ah, me paga.
    Quando o Carlos Alberto chegou em casa, a Lurdes anunciou que iria deixá-lo. E contou por quê.
    - Mas que história é essa, Lurdes? Você sabe quem era mulher que estava comigo no motel. Era você.
    - Pois é. Maldita hora em que eu aceitei ir. Discretissimu's! Toda a cidade ficou sabendo. Ainda bem que não me identificaram.
    - Pois então?
    - Pois então que eu tenho que deixar você. Não vê? É o que todas as minhas amigas esperam que eu faça. Não sou mulher de ser enganada pelo marido e não reagir.
    - Mas você não foi enganada. Quem estava comigo era você!
    - Mas elas não sabem disso!
    - Eu não acredito Lurdes. Você vai desmanchar nosso casamento por isso? Por uma convenção?
    - Vou.
    Mais tarde, quando a Lurdes estava saindo de casa, com as malas, o Carlos Alberto a interceptou. Estava sombrio.
    - Acabo de receber um telefonema - disse. - Era o Dico.
    - O que ele queria?
    - Fez mil rodeios, mas acabou me contando. Disse que, como meu amigo, tinha que contar.
    - O quê?
    - Você foi vista saindo do Motel Discretissimu's ontem, com um homem.
    - O homem era você.
    - Eu sei, mas eu não fui identificado.
    - Você não disse que era você?
    - O quê? Para que os meus melhores amigos pensem que eu vou a motel com a minha própria mulher?
    - E então?
    - Desculpe, Lurdes, mas...
    - O quê?
    - Vou ter que te dar um tiro.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Trecho de Guerra sem testemunhas, de Osman Lins


Achava belo, a essa época, ouvir um poeta dizer que escrevia pela mesma razão por que uma árvore dá frutos. Só bem mais tarde viera a descobrir ser um embuste aquela afetação: que o homem, por força, distinguia-se das árvores, e tinha de saber a razão de seus frutos, cabendo-lhe escolher os que haveria de dar, além de investigar a quem se destinavam, nem sempre oferecendo-os maduros, e sim podres, e até envenenados.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Alguma tristeza... - Marla de Queiroz

Este silêncio é assustador. Não porque talvez ele não seja necessário, mas porque mesmo sendo necessário, ele machuca. E ando muito ferida pra suportar um pouco mais de dor. Então eu queria que alguém me dissesse que vai ficar tudo bem, sabe? Porque esta incerteza toda tem me desnorteado demais. E uma ansiedade aguda toma conta de mim minuto a minuto. E ainda há a saudade. E mesmo que as previsões sejam positivas, tudo ainda me parece tão longínquo! E estou com pressa, e sede e fomes demais. Percebe como minhas palavras estão respirando com dificuldade? Então eu te peço pra não me deixar tão sozinha assim nesta fase. Mesmo que haja sol e as ondas vão e venham incansavelmente me lembrando do movimento da vida, a sua voz me faz tanta falta quanto uma brisa. Não que tenha me faltado companhia, mas em algum momento o abraço termina porque as pessoas têm as suas vidas. E ainda, o barulho das cidades têm me incomodado tanto quanto este silêncio denso. Então eu fico sem saber pra onde ir. E fico tão sonolenta e encolhida no meu canto até que alguém venha me abraçar novamente. E às vezes esse socorro demora tanto por causa da minha necessidade sempre tão urgente de tudo. De paz. Por não querer sufocar ninguém, fico aqui, sufocada.
Só estou te dizendo estas coisas porque acho estranho você não ter a menor curiosidade em saber como tenho me sentido. Depois de tudo. Porque não existe um segundo sequer em que
eu não pense e queira saber e deseje que você esteja bem. Só isso.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Vai menina... - Autoria desconhecida

Vai menina, fecha os olhos. Solta os cabelos. Joga a vida. Como quem não tem o que perder. Como quem não aposta. Como quem brinca somente.
Vai, esquece do mundo. Molha os pés na poça. Mergulha no que te dá vontade. Que a vida não espera por você. Abraça o que te faz sorrir. Sonha que é de graça.
Não espere. Promessas, vão e vem. Planos, se desfazem. Regras, você as dita. Palavras, o vento leva. Distância, só existe pra quem quer. Sonhos, se realizam, ou não.
Os olhos se fecham um dia, pra sempre. E o que importa você sabe, menina. É o quão isso te faz sorrir.

E só.