domingo, 18 de outubro de 2009

Não importa o que a vida fez do Homem, mas sim o que o Homem fez do que a vida fez dele

Tem dias em que se é tão mais fácil lidar somente comigo... Eu sou feliz, meu mundo é maravilhoso e me sinto completa... Dias assim me fortalecem, ou talvez, sejam em dias assim que eu estou verdadeiramente forte.
Porém, existem dias que surge o tal "aperto no peito" e você sente falta de algo... Você sente um vazio, uma vontade incontrolável de se preencher, e nem sempre é fácil preencher esse vazio com tudo aquilo que temos e que sempre nos completou... Tudo aquilo que mais amo e tenho em minha vida (família e amigos) me ajuda a superar isso com mais força, me ajuda a não me entregar, mas não preenche aquele oco que fica incomodando tanto.
Então é minha brecha pra parar, refletir e botar pra fora o que me aflige.
Uma vez já disse que preferia mil vezes sentir paz do que sentir amor... Tudo bem, essa idéia não mudou... Mas o que será que acontece quando uma pessoa fica em paz por muito tempo? Será possível essa pessoa viver assim tanto tempo, uma pessoa viver sem conflitos, sem sentir falta de nada? Será possível uma pessoa se sentir feliz, completa e só?
Por quanto tempo dura essa paz? Essa paz que faz a pessoa abdicar de tantas coisas que lhe pareciam vitais (ou talvez até mesmo eram), essa paz onde sua vida não muda, onde você não se entrega, onde você vive receoso de entregar seu coração verdadeiramente pra alguém novamente?
O que é isso tudo? PAZ? Ou é algo como MEDO de viver, que covardemente eu intitulei como paz?
E meu coração? O coração que eu passei a ignorar suas vontades e necessidades... Por quanto tempo ele aguentaria silencioso?
E a mim? Será que eu nunca vou me culpar por ser egoísta comigo mesma? Por ter passado a ser alheia a tudo que me fazia sentir viva? Por quanto tempo eu vou ficar omissa a todas as coisas que eu realmente sinto falta de ter em minha vida? Até quando serei negligente com meus sentimentos?
Até hoje... Por que de repente, tudo veio à tona. E eu não posso mais ignorar o que sou, o que quero e o motivo pelo qual estou aqui.
É arriscado demais sufocar a minha essência, por que no fundo, eu não quero me esquecer e nem deixar de ser quem sou, pois foi exatamente essa pessoa que me fez chegar onde cheguei... E de que me adianta lembrar das minhas decepções, fugir e me esconder pra não me machucar de novo e com isso parar de viver? Quão absurda e medrosa eu posso ser pelo simples fato de ser?
De repente me olho no espelho, vejo os anos passando e me enxergo sempre com as mesmas falhas, os mesmos anseios, as mesmas fugas... De que me adianta viver uma vida com medo?
Meus medos deveriam apenas me tornar uma pessoa mais cautelosa, mas não uma pessoa estagnada... Acho que passou da hora de eu começar a crescer com as minhas decepções e não apenas fugir delas, mas sim encará-las e transpô-las, pois se eu não souber aprender com meus erros, se eu não me modificar com tudo que vivi e depois apenas abandonar tudo aquilo que me faz mal, de que adiantou a minha vida?
Por que no fim, não importa apenas o que a Juliana foi para as outras pessoas, mas importa também o que ela foi pra ela e importa muito mais o que ela fez da sua vida com aquilo tudo que a vida fez dela.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Pensar é transgredir - Lya Luft

Não lembro em que momento percebi que viver deveria ser uma permanente reinvenção de nós mesmos — para não morrermos soterrados na poeira da banalidade embora pareça que ainda estamos vivos.
Mas compreendi, num lampejo: então é isso, então é assim. Apesar dos medos, convém não ser demais fútil nem demais acomodada. Algumas vezes é preciso pegar o touro pelos chifres, mergulhar para depois ver o que acontece: porque a vida não tem de ser sorvida como uma taça que se esvazia, mas como o jarro que se renova a cada gole bebido.
Para reinventar-se é preciso pensar: isso aprendi muito cedo.
Apalpar, no nevoeiro de quem somos, algo que pareça uma essência: isso, mais ou menos, sou eu. Isso é o que eu queria ser, acredito ser, quero me tornar ou já fui. Muita inquietação por baixo das águas do cotidiano. Mais cômodo seria ficar com o travesseiro sobre a cabeça e adotar o lema reconfortante: "Parar pra pensar, nem pensar!"
O problema é que quando menos se espera ele chega, o sorrateiro pensamento que nos faz parar. Pode ser no meio do shopping, no trânsito, na frente da tevê ou do computador. Simplesmente escovando os dentes. Ou na hora da droga, do sexo sem afeto, do desafeto, do rancor, da lamúria, da hesitação e da resignação.
Sem ter programado, a gente pára pra pensar.
Pode ser um susto: como espiar de um berçário confortável para um corredor com mil possibilidades. Cada porta, uma escolha. Muitas vão se abrir para um nada ou para algum absurdo. Outras, para um jardim de promessas. Alguma, para a noite além da cerca. Hora de tirar os disfarces, aposentar as máscaras e reavaliar: reavaliar-se.
Pensar pede audácia, pois refletir é transgredir a ordem do superficial que nos pressiona tanto.
Somos demasiado frívolos: buscamos o atordoamento das mil distrações, corremos de um lado a outro achando que somos grandes cumpridores de tarefas. Quando o primeiro dever seria de vez em quando parar e analisar: quem a gente é, o que fazemos com a nossa vida, o tempo, os amores. E com as obrigações também, é claro, pois não temos sempre cinco anos de idade, quando a prioridade absoluta é dormir abraçado no urso de pelúcia e prosseguir, no sono, o sonho que afinal nessa idade ainda é a vida.
Mas pensar não é apenas a ameaça de enfrentar a alma no espelho: é sair para as varandas de si mesmo e olhar em torno, e quem sabe finalmente respirar.
Compreender: somos inquilinos de algo bem maior do que o nosso pequeno segredo individual. É o poderoso ciclo da existência. Nele todos os desastres e toda a beleza têm significado como fases de um processo.
Se nos escondermos num canto escuro abafando nossos questionamentos, não escutaremos o rumor do vento nas árvores do mundo. Nem compreenderemos que o prato das inevitáveis perdas pode pesar menos do que o dos possíveis ganhos.
Os ganhos ou os danos dependem da perspectiva e possibilidades de quem vai tecendo a sua história. O mundo em si não tem sentido sem o nosso olhar que lhe atribui identidade, sem o nosso pensamento que lhe confere alguma ordem.
Viver, como talvez morrer, é recriar-se: a vida não está aí apenas para ser suportada nem vivida, mas elaborada. Eventualmente reprogramada. Conscientemente executada. Muitas vezes, ousada.
Parece fácil: "escrever a respeito das coisas é fácil", já me disseram. Eu sei. Mas não é preciso realizar nada de espetacular, nem desejar nada excepcional. Não é preciso nem mesmo ser brilhante, importante, admirado.
Para viver de verdade, pensando e repensando a existência, para que ela valha a pena, é preciso ser amado; e amar; e amar-se. Ter esperança; qualquer esperança.
Questionar o que nos é imposto, sem rebeldias insensatas mas sem demasiada sensatez. Saborear o bom, mas aqui e ali enfrentar o ruim. Suportar sem se submeter, aceitar sem se humilhar, entregar-se sem renunciar a si mesmo e à possível dignidade.
Sonhar, porque se desistimos disso apaga-se a última claridade e nada mais valerá a pena. Escapar, na liberdade do pensamento, desse espírito de manada que trabalha obstinadamente para nos enquadrar, seja lá no que for.
E que o mínimo que a gente faça seja, a cada momento, o melhor que afinal se conseguiu fazer.